Luiz Fernando Alouche, Fábio Tadeu Ramos Fernandes, Renata Ferraioli e Luísa Luciano Cury
STF reafirma a legalidade da pejotização e suspende ações sobre o tema, visando segurança jurídica e uniformização da jurisprudência.
A chamada “pejotização” – prática pela qual profissionais prestam serviços por meio de pessoas jurídicas – tem se consolidado como alternativa recorrente nas relações de trabalho, uma vez que proporciona a redução da carga tributária para ambas as partes envolvidas.
Com efeito, tal modalidade contratual permite a flexibilização nas contratações e a otimização de resultados financeiros, tanto pela diminuição de encargos trabalhistas para as empresas quanto pela possibilidade de planejamento tributário para os prestadores de serviço.
A jurisprudência do STF já se consolidou quanto à validade da terceirização, inclusive em atividades-fim, e à legalidade da pejotização, conferindo novos contornos às relações de trabalho no Brasil.
O posicionamento consolidado do STF, contudo, ainda enfrenta resistência por parte de instâncias administrativas – como o Carf – Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – e de tribunais inferiores, que, em algumas situações, desconsidera a forma contratual escolhida pelas partes e a requalifica como vínculo empregatício, com repercussões tributárias relevantes – especialmente no tocante à exigência de contribuições previdenciárias e à aplicação da multa isolada prevista no art. 7º, inciso I, da lei 7.713/1988, relativa à ausência de retenção do imposto de renda.
Um exemplo emblemático ocorreu recentemente, quando a 1ª turma do STF, em decisão proferida em fevereiro deste ano, anulou autuação fiscal confirmada pela 2ª turma da Câmara Superior do Carf. O caso envolvia uma empresa de engenharia que contratava engenheiros especializados por meio de pessoas jurídicas. Embora a empresa defendesse a regularidade da contratação com base no art. 129 da lei 11.196/05 – dispositivo que reconhece expressamente a possibilidade de prestação de serviços intelectuais por PJ sem configuração automática de vínculo empregatício -, o Carf entendeu que os contratos mascaravam uma típica relação de emprego.
Segundo a decisão administrativa, havia indícios de pessoalidade, habitualidade, subordinação e remuneração fixa, o que, na visão do Conselho, descaracterizava a autonomia entre as partes e justificava a incidência das contribuições previdenciárias e a penalidade fiscal.
Ao julgar a reclamação constitucional 71.838, contudo, o STF concluiu que o Carf extrapolou sua atuação ao desconsiderar a forma contratual adotada sem evidências suficientes de fraude ou simulação. O relator, ministro Cristiano Zanin, destacou que os profissionais contratados eram plenamente capazes e que não havia demonstração de vulnerabilidade ou dependência econômica. Por essa razão, não caberia à Administração Pública presumir subordinação a partir de critérios genéricos. O voto do relator foi acompanhado pelos ministros Luiz Fux e Alexandre de Moraes, vencidos os ministros Flávio Dino e Cármen Lúcia.
Essa decisão reafirma o entendimento consolidado pelo STF no julgamento do Tema 725, em que se reconheceu a licitude da terceirização em qualquer etapa da cadeia produtiva, e na ADC 66/DF, que declarou constitucional o art. 129 da lei 11.196/05.
O precedente representa não apenas a defesa da pejotização legítima e da autonomia contratual entre partes capazes, mas também um firme posicionamento quanto aos limites de atuação dos órgãos administrativos. O STF deixa claro que decisões administrativas devem respeitar os entendimentos vinculantes dos tribunais superiores, sob pena de violarem os princípios da segurança jurídica e da isonomia.
Nesse cenário, um novo desdobramento reforça a urgência de uniformização da interpretação sobre o tema. No dia 14/4/25, o ministro Gilmar Mendes determinou a suspensão de todos os processos judiciais que envolvam a contratação de pessoas jurídicas para prestação de serviços – a chamada pejotização. Segundo o ministro, a Justiça do Trabalho tem reiteradamente descumprido a orientação do Supremo, contribuindo para um cenário de grave insegurança jurídica e para o aumento expressivo de ações sobre o tema na Corte.
Além disso, o plenário do STF decidiu que fixará entendimento com repercussão geral, de observância obrigatória por todos os tribunais do país. O julgamento envolverá três questões centrais: (i) a validade dos contratos firmados por pessoas jurídicas; (ii) a competência da Justiça do Trabalho para julgar eventuais fraudes; e (iii) a definição sobre o ônus da prova – se cabe ao trabalhador ou ao contratante comprovar a existência (ou não) de vínculo empregatício dissimulado.
Esse novo marco será definido no âmbito do ARE – Recurso Extraordinário com Agravo 1.532.603, cuja repercussão geral foi reconhecida sob o Tema 1.389. Na origem, trata-se de ação movida por um corretor de seguros que firmou contrato de franquia e teve o vínculo negado pelo TST.
Nesse caso em concreto, o TST decidiu pela legalidade da terceirização, consoante ao Tema 725, já pacificado. No entanto, o STF ponderou a existência de outros elementos de discussão, instituindo o Tema 1.389, que trata da “competência e ônus da prova nos processos que discutem a existência de fraude no contrato civil/comercial de prestação de serviços; e a licitude da contratação de pessoa jurídica ou trabalhador autônomo para essa finalidade”1.
Assim, até que o plenário julgue o RE, todos os processos envolvendo o Tema 1.389 de todo o país deverão ficar suspensos. A decisão de mérito que vier a ser proferida pelo STF será vinculante e deverá ser respeitada por todas as instâncias judiciais e administrativas.
Com essa medida, o STF reafirma que a liberdade contratual deve ser preservada quando exercida por partes capazes e dentro dos limites legais. A expectativa é de que o futuro julgamento traga maior previsibilidade para as empresas e proteção para os profissionais, combatendo eventuais fraudes sem comprometer relações contratuais legítimas.